segunda-feira, 22 de junho de 2009

Café Teológico II - Evangelho de Lucas. Por: Drº Ágabo Borges

O Evangelho de Lucas é iniciado apresentando maiores detalhes sobre o nascimento de Jesus, a prova disso é que o primeiro capítulo possui oitenta versículos, sendo que esses narram o nascimento de Jesus.


O Evangelho de Lucas é endereçado a alguma pessoa. Alguns estudiosos afirmam que é endereçado a Teófilo (amigo de Deus), pois o nome de Teófilo aparece no início do Evangelho. Esse endereçamento pode ser utilizado como chave hermenêutica para interpretação de todo Evangelho.


Diferentemente dos demais evangelhos, Lucas da bastante ênfase as mulheres, ele dá nomes a elas. Em Lucas as mulheres possuem identidade, elas não são anônimas. Podemos exemplificar essa afirmação destacando a presença da narrativa da visita de Maria a Isabel, essa narrativa aparece apenas no Evangelho de Lucas, isso é uma característica peculiar do autor, destacando sua atenção pelas mulheres.


Observa-se que o conteúdo da pregação de Jesus em Lucas é o Reino de Deus (Basiléia tô Theô). Sendo que esse Reino não é uma coisa do “porvir”, mas que tenha um espaço histórico. Para Lucas o Reino de Deus inicia aqui na terra. O Reino de Deus em Lucas está ligado à capacidade de restaurar a vida. Assim sendo, anunciar o Evangelho ou o Reino de Deus implica em restaurar vidas. De Acordo com Lucas 10.9 “Curai os enfermos que nela houver e anunciai-lhes: A vós outros está próximo o reino de Deus”, O Reino de Deus acontece onde há restauração de vida. Para Lucas a proposta do Reino é a integridade do ser. Portanto, tudo aquilo que desintegra o ser torna-se demoníaco, ou seja, afasta as pessoas da proposta do Reino de Deus.


No Evangelho de Lucas o Reino de Deus é para as mulheres, as crianças e os pobres. Vale ressaltar que em Lucas pobres são aqueles que são desprovidos socialmente (rejeitados por alguma razão). Para Lucas os aleijados e os leprosos são considerados pobres.


A título de conclusão, destacamos que o ideal do Reino é a dependência absoluta de Javé. Por isso, o exemplo da passagem do povo de Israel pelo deserto é o modelo por excelência. Lá a dependência do povo em Javé era total e absoluta.
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Café Teológico realizado pela turma de Novo Testamento I do STBNe

sábado, 20 de junho de 2009

Café Teológico I - O Evangelho de Marcos. Por: Ms Marcos Monteiro


Existem pesquisas que colocam o Evangelho de Marcos como fonte para os demais. Esse evangelho surge a partir da vivência de uma comunidade, ou seja, os escritos não são formados por uma pessoa e sim por uma comunidade. A organização do material oral acontece primeiro em Marcos. Esse oferece o tempo e o espaço para Mateus e Lucas. Isso legitima o Evangelho de Marcos como fonte para os mesmos. Os escritos neotestamentários surgem a partir dessa oralidade.


Sabemos que a beleza do texto escrito é exatamente a sua pobreza, tendo em vista que somos muito mais do que o texto escrito. A tradição oral oferece um colorido especial aos relatos e os mantém vivos.


Vale destacar que os textos bíblicos e principalmente os evangelistas são bastante polissêmicos (alguns até afirmam que existe um significado para cada israelita). Essa polissemia justifica as diversas interpretações que existem dos evangelhos hoje. Devido ao caráter polissêmico do texto, faz-se necessário uma análise acurada do contexto do texto.


De acordo com a apresentação do Ms Marcos Monteiro, existem algumas temporalidades no Evangelho de Marcos:
1- kaí (e) – abundância da partícula Kai, estilo típico de narrativas, isso dá uma velocidade aos textos, como se acelerassem as narrativas;
2- elthus (logo) – as narrativas em Marcos são rápidas, tudo acontece apressadamente;
3- egêneto (aconteceu) – no Evangelho de Marcos algumas narrativas acontecem misteriosamente (como num estalo de dedos);
4- sábbaton (sábado) – o sábado é a contribuição judaica para a história, é o momento culminante da criação;

Concluímos destacando que a comunidade de Marcos não acredita no centro como poder. por isso, há humanidade nas periferias; lá Jesus salva os oprimidos. No centro não há salvação nem libertação. A salvação e a libertação estão nas periferias. Tendo em vista que a comunidade de Marcos é uma comunidade periférica.
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Café Teológico realizado pela turma de Novo Testamento I do STBNe.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Literatura Extra-Canônica do Movimento Cristão do I e II Séculos

Introdução:
Antes de falar sobre os escritos extra-canônicos, precisamos compreender o processo de formação do cânon bíblico (mais detalhes sobre a formação do cânon do NT confira:
http://www.formacanondont.blogspot.com/). A Bíblia (os escritos bíblicos) nasceu da vontade do povo ser fiel a Deus e a si mesmo, da vontade de transmitir aos outros essa fidelidade. A Bíblia foi escrita por um grande mutirão de escritores, formado por lideranças e comunidade. Antes que a Igreja escolhesse alguns livros como únicos que poderiam ser lidos nos cultos e como únicos testemunhos válidos a favor do Senhor, todos os livros eram entendidos como inspirados.

A seleção desses livros para compor o cânone, isto é a lista dos livros inspirados, seguiu critérios de fé. Essa seleção levou anos, séculos de muita observação e vivência da mensagem de Deus. Muitas discussões e batalhas ideológicas, tanto no seio da comunidade judaica quanto na cristã, serviram para acrescentar ou excluir este ou aquele livro. Os escritos extra-canônicos defenderam seus pensamentos sobre a divindade de Jesus. É importante lembrar que nenhum deles negou essa divindade, pelo contrário, cada grupo procurava manter fidelidade aos ensinamentos passados por Jesus, defendendo o seu ponto de vista.

Os escritos extra-canônicos podem ser atribuídos desde o século I até o século VII, os mais antigos surgiram pelos mesmos motivos e com a mesma finalidade da literatura canônica. E não há dúvidas que, no começo estavam ao lado dos escritos que foram canonizados, mas por terem sido proibidos sofreram reelaborações contínuas e mudanças, outros foram totalmente destruídos.

A Literatura extra-canônica na história e na formação do cristianismo

Século I:
Com a morte de Jesus, tradicionalmente marcada no dia 7 de abril de 33, e sua ressurreição, inicia-se uma nova fase do movimento de Jesus, agora denominado cristianismo. A fé na ressurreição de Jesus foi elemento fundamental na formação do cristianismo em comunidades de fé, em uma igreja. As mulheres têm um papel fundamental nas primeiras comunidades. Elas assumem funções de lideranças. São apóstolas, profetisas, mestras e diaconisas. Madalena e Maria mãe de Jesus são exemplos de liderança feminina nesse século. O apóstolo Paulo se refere a muitas delas assumindo esses papéis.

No I século não fica clara a idéia de diversidade, devido ao reduzido número de cristianismos, mas podemos citá-los: Cristianismo revolucionário (Jesus é compreendido como um revolucionário que lutou e convocou seus seguidores a resistirem contra o Império); Cristianismo da terceira via ou raça (nesse o cristianismo é uma terceira raça, não é judeu, nem grego); Cristianismo da sucessão apostólica (Jesus ressuscitado escolhe 12 homens dignos do apostolado); Cristianismo da fé em Jesus que salva e perdoa (Nesse a fé em Jesus salva e o conhecimento de Deus perdoa pecados).

As literaturas surgem em conseqüência da existência desses movimentos, elas não “caem do céu” ou aparecessem como num “estalo de dedos”. Toda literatura surge a partir de um movimento, de uma vivência. Os escritos que datam do I século são: As parábolas do Evangelho de Tomé, I Clemente e Pregação de Pedro. O cristianismo apócrifo do primeiro século não foi tão marcante em questões apologéticas, como foi o do segundo século em diante. A pluralidade marca o cristianismo do primeiro século.

Século II:
Na pluralidade do cristianismo emergente, um vai se tornando hegemônico, o apostólico. A defesa de um tipo de cristianismo como a única possibilidade de escolha é visível na pregação dos Padres da Igreja desse período. Na tentativa de interpretar a fé apostólica e fazer opção por uma delas, nascem vários movimentos, que serão chamados de heréticos, por pensar diferente, não aceitando a posição final. O movimento mais forte é o gnosticismo que se dividiu em vários segmentos.

O cristianismo apócrifo do século II é, sem duvida, o mais rico de todos eles. Vejamos alguns: Cristianismo da pregação dos apóstolos e sucessão apostólica (esse é o que se tornou hegemônico); Cristianismo da Simonia (Meandro renovou o movimento criado por Simão nos anos 70); Cristianismo do conhecimento em Jesus, salvador e guia (para este Cristo é o gnóstico perfeito, salvador e guia); Cristianismo judaizante dos ebionitas (nesse Jesus é humano, foi adotado por Deus e teve morte redentora);

Vale ressaltar que a lista desses cristianismos e suas literaturas é bastante extensa, portanto, nosso desejo é gerar um interesse de leitura e pesquisa a todos quantos tenham acesso a esse trabalho. Em conseqüência desses movimentos, surgem às literaturas, cada movimento vai produzindo suas literaturas. Vejamos alguns escritos do II século: Evangelho dos Hebreus, Evangelho de Matias, Evangelho de Pedro, Evangelho de Tomé, Evangelho de Maria Madalena, Apocalipse de Pedro, Evangelho de Judas, Atos de João, etc.

Conclusão:
Chegamos ao final da pesquisa, mas não esgotamos o assunto. A final, não é essa a nossa intenção. Pelo contrário, esperamos que a nossa pesquisa torne-se inquietante, gerando um desejo de conhecer a literatura extra-canônica.
Vale ressaltar que não existe nenhuma intenção em tornar os escritos extra-canônicos em canônicos. A pesquisa visa apresentá-los e afirmá-los como registros de suas comunidades, relatando os conflitos de seu cotidiano.
Partindo do pressuposto que cada ponto de vista é a vista a partir de um ponto, essa pesquisa lança o desafio de olharmos para os escritos extra-canônicos de outro ponto. Ponto esse que valorize e respeite a história daqueles cristãos primitivos (homens e mulheres), que a seu modo, creram verdadeiramente em Jesus de Nazaré como o Cristo libertador.

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BIBLIOGRAFIA:
BRONW, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo, Paulus: 2002.
CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento.São Leopoldo, Sinodal:2001
EHRMAN, Barth D. Cristianismos perdidos. Barcelona: Ares y Mares: 2004.
GABEL, John B. e WHEELER, Charles B. A Bíblia como literatura. São Paulo, Loyola: 1993.
FARIA, Jacir de Freitas. Apócrifos aberrantes, complementares e cristianismos alternativos. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009.
FARIA, Jacir de Freitas. Apócrifos do segundo testamento. In: RIBLA – Revista de Interpretação Bíblica Latino-americana. Nº58/2007.3. Petrópolis – RJ. Editoras Vozes. Páginas de 07 a 12.
KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento. Vol. II. São Paulo, Paulus: 2005.
MORALDI, Luigi. Evangelhos Apócrifos. São Paulo, Paulus: 1999.
PROENÇA, Eduardo de. (Org). Apócrifos e Pseudo-epígrafos da Bíblia. Fonte Editorial, São Paulo: 2005
VIELHAUER, Philipp. História da literatura cristã primitiva. Santo André - SP, Academia Cristã: 2005.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Apresentação


Analisar a literatura do movimento cristão do I e II séculos não é voltar-se para um seleto grupo de textos, mas sim esbarrar-se numa gama de escritos que surgiram a partir do plural contexto em que as primeiras comunidades cristãs estavam inseridas.


É sabido que Jesus não escreveu uma linha de tudo que foi escrito a seu respeito e sobre sua mensagem. No entando, a literatura que foi produzida a partir do movimento de Jesus, é vasta e advinda das diversas comunidades surgidas desde então.


Dentre esses escritos estão os que foram canonizados e muitos outros tidos como "heréticos" e por isso, chamados apócrifos.


Apócrifo é uma expressão grega (apócryphos), que significa escondido, secreto, oculto. Foi inicialmente usado pejorativamente, para designar a literatura como herética, inautêntica. Sendo assim, por estar carregada de um sentido depreciativo, optamos por usar o termo extra-canônico, entendendo se tratar apenas de uma literatura que não está no cânon.


Antes que a Igreja Oficial escolhesse os textos canônicos, todos os escritos tinham igual importância dentro de suas comunidades de origem. Somente a partir dessa separação de importância dos textos é que os extra-canônicos foram perdendo a força na Igreja Oficial, e consequentemente nas suas próprias comunidades.


O fechamento do cânon se deu apenas no final do séc. IV. No entanto, os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João já foram escolhidos e revestidos de certa normatividade e autoridade dentre os vários outros existentes, desde meados do II séc. Essa separação foi justamente para impedir que as histórias a respeito da infância de Jesus e os pensamentos gnósticos, presentes no outros evangelhos, se fortificassem nos espaços cúlticos.


Longe de querer que essa literatura extra-canônica tenha agora um valor agregado do que se denomina sagrado, queremos, na verdade, trazer esses textos ao conhecimento de todos e garantir o espaço deles, como material importante, tão antigo ou não quanto outros canonizados e, principalmente, como textos que representam comunidades cristãs legítimas do I e II séculos.


Eles revelam o modo como vivia e pensava parte dos grupos cristãos, cuja voz foi suprimida pela Igreja Oficial. Nota-se que esses escritos foram produzidos para satisfazer as curiosidades que existiam a respeito da infância de Jesus, bem como estabelecer as raízes da religião emergente. Eles revelam tanto o estilo do pensamento e das práticas judaicas que influenciaram o cristianismo quanto a efervescência e plural cultura gentílica com a qual o cristianismo passou a conviver no processo de expansão e estruturação.


Atualmente, o único livro extra-canônico encontrado, que está completo, é o Evangelho de Tomé. Todos os outros que temos à disposição estão em fragmentos. Isso porque a literatura extra-canônica foi perseguida e em grande parte destruída pelos Pais da Igreja, por diversos motivos. Quer seja pela perspectiva teológica, quer pelos esclarecimentos importantes sobre a grande diversidade das percepções e práticas religiosas dos primeiros cristãos, que se desviavam das oficiais.

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BIBLIOGRAFIA:

BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. Paulinas. São Paulo. 2004.

FARIA, Jacir de Freitas. Apócrifos Aberrantes, Complementares e Cristianismos Alternativos - Poder e Heresias!: Introdução Crítica e Histórica à Bíblia Apócrifa do Segundo Testamento. Vozes. Petrópolis-RJ. 2009.

KOESTER, Helmut. Introduçao ao Novo Testamento. Vol. II. Paulus. São Paulo. 2005.

PROENÇA, Eduardo de. (Org). Apócrifos e Pseudo-epígrafos da Bíblia. Fonte Editorial. São Paulo. 2005.

VIELHAUER, Philipp. História da Literatura Cristã Primitiva: Introdução ao Novo Testamento, aos Apócrifos e aos Pais Apostólicos. Editora Academia Cristã. Santo André-SP. 2005.