sexta-feira, 22 de maio de 2009

Apresentação


Analisar a literatura do movimento cristão do I e II séculos não é voltar-se para um seleto grupo de textos, mas sim esbarrar-se numa gama de escritos que surgiram a partir do plural contexto em que as primeiras comunidades cristãs estavam inseridas.


É sabido que Jesus não escreveu uma linha de tudo que foi escrito a seu respeito e sobre sua mensagem. No entando, a literatura que foi produzida a partir do movimento de Jesus, é vasta e advinda das diversas comunidades surgidas desde então.


Dentre esses escritos estão os que foram canonizados e muitos outros tidos como "heréticos" e por isso, chamados apócrifos.


Apócrifo é uma expressão grega (apócryphos), que significa escondido, secreto, oculto. Foi inicialmente usado pejorativamente, para designar a literatura como herética, inautêntica. Sendo assim, por estar carregada de um sentido depreciativo, optamos por usar o termo extra-canônico, entendendo se tratar apenas de uma literatura que não está no cânon.


Antes que a Igreja Oficial escolhesse os textos canônicos, todos os escritos tinham igual importância dentro de suas comunidades de origem. Somente a partir dessa separação de importância dos textos é que os extra-canônicos foram perdendo a força na Igreja Oficial, e consequentemente nas suas próprias comunidades.


O fechamento do cânon se deu apenas no final do séc. IV. No entanto, os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João já foram escolhidos e revestidos de certa normatividade e autoridade dentre os vários outros existentes, desde meados do II séc. Essa separação foi justamente para impedir que as histórias a respeito da infância de Jesus e os pensamentos gnósticos, presentes no outros evangelhos, se fortificassem nos espaços cúlticos.


Longe de querer que essa literatura extra-canônica tenha agora um valor agregado do que se denomina sagrado, queremos, na verdade, trazer esses textos ao conhecimento de todos e garantir o espaço deles, como material importante, tão antigo ou não quanto outros canonizados e, principalmente, como textos que representam comunidades cristãs legítimas do I e II séculos.


Eles revelam o modo como vivia e pensava parte dos grupos cristãos, cuja voz foi suprimida pela Igreja Oficial. Nota-se que esses escritos foram produzidos para satisfazer as curiosidades que existiam a respeito da infância de Jesus, bem como estabelecer as raízes da religião emergente. Eles revelam tanto o estilo do pensamento e das práticas judaicas que influenciaram o cristianismo quanto a efervescência e plural cultura gentílica com a qual o cristianismo passou a conviver no processo de expansão e estruturação.


Atualmente, o único livro extra-canônico encontrado, que está completo, é o Evangelho de Tomé. Todos os outros que temos à disposição estão em fragmentos. Isso porque a literatura extra-canônica foi perseguida e em grande parte destruída pelos Pais da Igreja, por diversos motivos. Quer seja pela perspectiva teológica, quer pelos esclarecimentos importantes sobre a grande diversidade das percepções e práticas religiosas dos primeiros cristãos, que se desviavam das oficiais.

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BIBLIOGRAFIA:

BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. Paulinas. São Paulo. 2004.

FARIA, Jacir de Freitas. Apócrifos Aberrantes, Complementares e Cristianismos Alternativos - Poder e Heresias!: Introdução Crítica e Histórica à Bíblia Apócrifa do Segundo Testamento. Vozes. Petrópolis-RJ. 2009.

KOESTER, Helmut. Introduçao ao Novo Testamento. Vol. II. Paulus. São Paulo. 2005.

PROENÇA, Eduardo de. (Org). Apócrifos e Pseudo-epígrafos da Bíblia. Fonte Editorial. São Paulo. 2005.

VIELHAUER, Philipp. História da Literatura Cristã Primitiva: Introdução ao Novo Testamento, aos Apócrifos e aos Pais Apostólicos. Editora Academia Cristã. Santo André-SP. 2005.